Maria Fernanda Bahia
Nas manhãs sentia a primeira carícia ao ver o aveludado do ramo de tulipas negras da festa de aniversário. A luz escarlate ténue companheira somava um perolado brilho de beleza evanescente e lírica composta de admiração e ternura. Para mais, a evocação dos mil desejos de felicidade era aprisionada no deleite do emaranhado romance de Alexandre Dumas. Capítulo a capítulo, o amor e aventura se desenrolavam nos dias e a jarra fez de cela intranquila, e o lápis escreveu no papel com letra de rosa que pouco tempo o objecto pertence à sua matéria, pois as tulipas duram só dez dias. As mãos carcereiras se encarregam de acelerar a biodegradação, mas paira a esperança replantada de há séculos nos bolbos guardados no frio. Há mais aniversários e mais ramos de tulipas negras.
Fernanda Bahia, “Tulipas negras”, 2019